Viver D. Canô

Faz hoje uma semana que uma cidade inteira perdeu o seu chão.Muito mais: perdeu sua alma.Do mais anônimo morador do Trapiche de Baixo ou do Bonfim aos mais expressivos nomes de seu vasto elenco de figuras públicas, todos ficaram – e se sentem – órfãos. Partiu aquela que transcendeu a fama dos filhos,os brasões da cidade, as fortunas de sobrenomes pomposos, os que viraram nomes de rua.Maestrina de uma população inteira, orquestrou amizades e sabia sempre encontrar o tom certo das bênçãos e dos conselhos.Sabia falar muito bem com palavras e com o semblante.A direção do olhar, o franzimento da testa, o balançar de cabeça eram textos claros, de mensagens certas, fosse admoestação ou estímulo.E eu próprio tive com ela inesquecíveis conversas silenciosas em momentos de euforia ou de dor.Meus filhos Caetano( seu afilhado querido) e Bárbara Bela vieram ao mundo, na maternidade de Santo Amaro, em atos presididos pela sua presença.Ela estava lá, nos dois partos.Quando perdi meu pai, e depois minha mãe, foi nos seus ombros que consegui desatar as lágrimas presas e dissolver a tristeza.A porta de sua casa nunca estava fechada; parecia mais um “departamento de solidariedade” procurado por todos que iam pedir um colchão, um remédio, um copo d`água, uma foto ou apenas uma palavra.

Um dia, um desses “idiotas da objetividade” – sim, porque há esses desavisados profissionais! – perguntou-me a razão da fama de D.Canô, sem entender exatamente o que ela fazia para tanto.De fato, Dona Canô não erigiu nenhum grande prédio e nem promoveu abertura de estradas.Nenhum Grande Mestre também não.Assim como eles, Dona Canô foi( e será sempre) uma escola de valores.Valores humanos tão em falta em uma humanidade desinformada e careta.Coisas como “solidariedade”, “respeito aos outros e às diferenças”, “alegria sincera pelas pequenas e grandes coisas”,” devoção radical aos amigos”

Viver Dona Canô é tatuar na alma a sua frase-mantra: “Ser feliz é pra quem tem coragem”.E sair para a vida sem medo de nada.Obrigado por tudo, minha Comadre querida!

Jorge Portugal - Educador e Poeta.

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