Caro Leitor:
Se você vai dividir a casa com uma mulher que trabalha, seja pelo casamento ou por qualquer outra espécie de arranjo (ela pode ser sua namorada, sua amiga ou sua irmã), tenha o cuidado, antes de cruzar o batente dela ou permitir que ela cruze o seu, de acertar quatro coisas com ela: Quem vai lavar a louça, quem vai fazer as compras, quem vai arrumar a casa e quem vai cozinhar.
Agora, no conforto do seu apartamento de solteiro, ou estendido no sofá da casa-útero da sua mãe, você pode achar que o mais importante na vida dos casais é sexo, sentimentos e dinheiro para pagar as contas. Não é bem assim.
Na noite de quinta-feira, quando você chegar em casa a fim de um romance, sua mulher vai lembrá-lo que a coisa mais importante da vida de vocês é a louça de três dias na pia da cozinha – ou a lista de compras colada há três dias na porta da geladeira, ou a roupa que você há três dias esquece de tirar da máquina. E faz todo sentido.
Se a sua mulher trabalha, o assunto mais importante da vida conjugal dela é aquilo que você faz ou não faz em casa – e não estou falando de sexo. O que vai definir a paz doméstica é a sua capacidade de dividir os trabalhos domésticos. Se você não for para pia e para a feira, está condenado a bater boca com uma frequência intolerável, e não há romance que resista a uma briga por semana.
Você não precisa acreditar nas minhas palavras. Leia aqui mesmo a reportagem especial que a Época fez sobre as expectativas atuais das mulheres em relação aos homens. Depois passe os olhos pelos comentários deixados pelos leitores ao pé da primeira parte do especial. Foi a leitura dos comentários que me fez escrever esta coluna. Foi perceber quão anacrônicos são os caras que se opõem às mudanças de hábitos. Eles são machos que temem serem emasculados pela rotina doméstica, eles são provedores injustiçados pela exigência de uma segunda jornada, são caras que acham que as mulheres que trabalham fora são todas putas. Um horror. As mulheres, por seu lado, estão exaustas e furiosas. Não entendem de onde vem a nossa autocomplacência quando elas são tão organizadas e tão exigentes consigo mesmas, quando, no exemplo de um amigo meu, elas botam as crianças para dormir, dão um tapa na casa, organizam o dia seguinte e voltam ao computador para terminar o trabalho que trouxeram do escritório, às 11 da noite...
Se você não é o sádico bilionário de Cinquenta Tons de Cinza, que dispõe de serventes, helicópteros e dinheiro inesgotável para pagar por todos os serviços, sua mulher ou namorada ou colega de moradia espera que você arregace as mangas e bote a mão na massa com ela. Não é mais opcional. A nova divisão de trabalho social é essa. Todo mundo trabalha fora, todo mundo rala, e todo mundo faz as coisas de casa. É uma simples questão de modernidade. Se a sua mulher olhasse para a sua cara e dissesse que tem o direito de ser sustentada sem trabalhar, apenas por ter nascido mulher, você perguntaria em que século ela pensa que está vivendo. Como nós, homens, achamos que elas se sentem quando sugerimos, com dezenas de argumentos meio frouxos, que temos o direito inato de que nos façam comida, lavem a nossa roupa e limpem o nosso banheiro, apenas por termos nascido homens?
Meu pai nasceu em 1930 e não gostava que a minha mãe trabalhasse fora. Eu nasci em 1960 e desde que fiquei adulto nunca namorei uma mulher que não tivesse ocupação. Meus filhos, que nasceram nos anos 1980, terão o direito de ver o jogo do time deles na TV enquanto a mulher deles lava a louça? Duvido. Só se o relógio andar para trás e o mundo for retomado pelosfelicianos. Uma das medidas mais constantes do avanço civilizatório é a expansão dos direitos da mulher. Há 50 anos, quando a Betty Friedan escreveu A mística feminina, elas exigiam o direito de trabalhar fora. Conseguiram. Agora, no início do século 21, exigem que nós também trabalhemos dentro de casa - e conseguirão da mesma forma, provavelmente em menos tempo. É uma simples questão de racionalidade e de justiça. Pense no fim da servidão doméstica de metade da humanidade.
Escrevo essas coisas sem hesitação, porque eu mesmo não sou exemplo de nada. Minha mãe pedia ajuda em casa e eu fingia de surdo, enquanto as minhas irmãs cooperavam. Nunca aprendi a cozinhar. Agora, um bocado mais velho e talvez um pouco mais sábio, tento mudar, mas é duro alterar os hábitos de uma vida. A divisão das tarefas domésticas ainda é o motivo de sete em cada 10 discussões na minha casa. Não discuto SE, discuto QUANDO e COMO fazer o que tem de ser feito, mas ainda discuto. A vontade é deixar tudo para amanhã. No fundo, conto com a faxineira, que, uma vez por semana, restaura a base material do meu casamento. Ela também é mulher e provavelmente não estará na minha casa dentro de 10 anos. Nem na sua. Melhor seria aprender a fazer rápido o que tem de ser feito: lavar a louça, lavar a roupa, cuidar da casa e cozinhar.
Forte abraço,
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