10 de agosto de 2012

Cléo Fernandes: A história da Miss Brasil Plus Size que venceu os padrões do mercado


Felipe Morozini
Cléo Fernandes
Cléo Fernandes



25 anos, 98 quilos, 1,75 de altura, a Miss Brasil Plus Size, é uma das modelos mais requisitadas do país. Até chegar aqui, precisou vencer um distúrbio alimentar, os padrões do mercado e a ideia de que para ser feliz é preciso ser magra

A menina de Havaianas, calça legging e blusa estampada que atende a porta de uma casa no bairro Tatuapé, em São Paulo, pouco lembra o mulherão que vem protagonizando campanhas – inclusive de lingerie – para marcas como Avon e Duloren. Cléo Fernandes teve pouco tempo para digerir o salto que sua vida deu nos últimos meses. Em janeiro, a professora de educação física de 25 anos deixou a casa dos avós e o noivo em Goiânia. Desembarcou na capital paulista, onde venceu a primeira edição do Miss Brasil Plus Size. Enfrentou hostilidade de colegas e resistência de um mercado acostumado a um padrão. 

Em seus primeiros dias em São Paulo, a ex-professora de alunos especiais procurou as grandes agências que têm portfólio de meninas GG. Queria que gerenciassem sua carreira. “Mas me diziam que só atendiam garotas que vestiam até 44. Uso 48/50. Eu estava fora dos padrões. Não aceitaram nem que eu fosse lá pessoalmente”, conta.
Cléo recorda a primeira vez em que se sentiu fora dos padrões. “Foi aos 11 anos. Amigos e parentes diziam: ‘Você tem um rosto tão bonito, se perdesse alguns quilos poderia ser modelo’.” As palavras bateram fundo. Passou a usar laxantes para emagrecer. “Chegava a tomar uns 30 por semana”, conta. “Acordava no meio da noite para ir ao banheiro, não tinha controle do meu corpo.”
Nessa época, durante uma aula de biologia, aprendeu que o intestino era o grande responsável por absorver alimentos. Como consequência, vomitava boa parte do que comia antes que isso acontecesse. “Não tinha ideia do que era bulimia nem que isso era um transtorno alimentar. Lembro só que minha mãe descobriu o que eu fazia e brigou comigo”, diz. “Passei a fazer mais ‘bem-feito’. Parece absurdo dizer isso agora, mas a gente desenvolve técnicas para que ninguém perceba. E eu tinha sorte [faz sinal de aspas com as mãos] porque minha unha não manchava e eu não mordia a mão, como acontece com algumas pessoas.”
Ainda assim, Cléo nunca chegou a ser magra. “Pesava menos do que hoje, mas já usava 40, 42. Ou seja, não mudei tanto assim de corpo depois que me curei, aos 20 anos. Eu queria ser mais magra que a Gisele Bündchen, olha que loucura!”
No auge da doença, aos 16 anos, chegava a forçar o vômito dez, 15 vezes por dia. “Esperava todo mundo sair de casa e começava o processo. Comia um monte, ia para o banheiro vomitar e logo depois voltava para a cozinha. Só parava quando alguém chegava em casa”, lembra. “Alguém” eram os avós maternos, com quem sempre morou, já que sua mãe, Patrícia Fernandes, engravidou dela aos 16 anos e se mudou para Brasília quando a filha tinha 11. “Magra desde sempre”, a mãe de Cléo fazia “bicos” como modelo em Goiás e admite que esse fato pode ter influenciado na doença da filha. Porém, prefere dizer que assim que descobriu o distúrbio – aos 18, Cléo foi diagnosticada com uma úlcera no estômago –, deu apoio incondicional. Aprendeu que precisava frisar para as filhas (a caçula tem 10 anos) que o importante é “ser bonita por dentro”. Uma vez na terapia, Cléo garante que não foi difícil se livrar da bulimia, nem de aceitar os quase 30 quilos que ganhou com rapidez. “Na minha cabeça eu estava emagrecendo. As roupas começaram a não caber mais e eu tinha que comprar outras novas, mas não sentia que estava engordando.”
O passo seguinte foi a decisão de cursar educação física na Universidade Estadual de Goiás. Lá, descobriu que não existe apenas um padrão de beleza nem de tamanho. “Estudamos muito o corpo humano e como cada época tem uma visão diferente. Vivemos num mundo em que as mulheres magras são mais valorizadas, mas nem sempre foi assim. Agora consigo me descolar dessa pressão social. Aceitei que o que é bom é aquilo que faz bem pra mim”, conta.

"Não sabia, mas sofria de bulimia. Eu queria ser mais magra do que a Gisele, olha que loucura"

Durante a faculdade, Cléo, que admite nunca ter tido problema para arranjar namorados, conheceu o noivo, o engenheiro Marcus Rodrigues, 34 anos. “Acho a Cléo linda do jeito que ela é. Me apaixonei pelo rosto e pelo sorriso dela. E gosto de ver ela feliz sendo modelo. Fala o tempo todo do trabalho, viaja, se diverte. Na distância entre nós, já que eu sigo vivendo em Goiânia, a gente dá um jeito.”
Cléo não sabe se quer ficar em São Paulo. Tímida assumida, a modelo só costuma sair para ir ao cinema, passa suas horas de folga assistindo a filmes no computador e nunca foi muito de ir para a balada. “Me sinto sozinha aqui. A cidade é enorme e, desde que ganhei o concurso, tenho sido hostilizada por alguns profissionais do meio GG. 
Acho que é por estar aparecendo mais. Dizem que tive sorte, mas sei o quanto ralei pra chegar até aqui.” A mãe, Patricia, é um dos apoios mais presentes para que a modelo siga com a carreira: “Só aceito que ela venha me ver em Brasília se for para visitar. Desistir de São Paulo, nem pensar. Ela está indo muito bem, tem grandes chances de ir para os Estados Unidos, onde o mercado para modelos como ela é enorme”, acredita.


Mercado disputado
O Brasil ensaia seguir essa trilha. O setor está tão em voga que já começa a disputar os cabides de lojas famosas. A C&A, uma das maiores varejistas de moda do país, lançou no mês passado uma coleção para tamanhos de 46 a 56. Renata Poskus, diretora do Fashion Weekend Plus Size, acompanha de perto esse boom. “Quando comecei a organizar o Fashion Weekend Plus Size, em janeiro de 2010, existiam poucas marcas, era tudo muito pequeno. Hoje já são 20 grifes desfilando”, diz. A explosão comercial acompanha uma notícia alarmante: no ano passado, uma pesquisa do Ministério da Saúde apontou que quase 48% da população brasileira está acima do peso.


A condição, que pode causar problemas à saúde, faz parte das preocupações de Cléo. “Não quero que pensem que, porque eu trabalho com isso, acho que tudo bem a pessoa ser gorda. Não acho. Só não acredito que quem está fora do peso tem que ser excluído da sociedade. Isso gera ainda mais ansiedade no obeso, que muitas vezes já tem um problema de compulsão”, explica. “Hoje quero perder 8 quilos porque não quero ter problemas de saúde mais pra frente, e não porque me sinto na obrigação de me encaixar em um padrão. Um mercado maior de moda plus size não vai fazer as pessoas comerem mais ou menos, só vai ajudar a se sentirem melhor.”
Cléo demorou até se convencer de que deveria tentar a sorte como modelo GG, ou “moda maior”, como são conhecidas as marcas plus size em Goiás. “Não ligo para o nome que dão. Acho que é uma necessidade da sociedade de separar quem é gordo de quem não é, mas não me incomoda. Contanto que elas existam e a gente tenha opção, pode chamar do que quiser!”, declara. Levou oito meses para entregar as fotos caseiras de si mesma para uma loja de Goiânia, que procurava meninas acima do peso para uma campanha. “Eu não dei muita bola na hora, mas depois fui pesquisar sobre o ramo e percebi que existia um mercado grande e mal explorado de lojas para mulheres maiores. Pensei que talvez pudesse dar certo”, lembra.
No começo de 2011, Cléo foi convidada a desfilar no Fashion Weekend Plus Size, e se destacou. Seis meses depois, Renata Poskus sugeriu que a goiana participasse do Miss Brasil Plus Size. “Ela relutou e só se inscreveu 15 dias antes do concurso”, diz. “Acabou ganhando e tendo uma projeção enorme.”
Cléo assume ainda ter dificuldade de aceitar que o mulherão que aparece nas fotos é, de fato, a menina doce que ainda não consegue se ver bonita no espelho. “Já admito que tiro foto bem, estou feliz com o meu corpo, mas sou muito tímida. Participar do concurso significava me mostrar como Cléo, e ainda é difícil acreditar que justo eu, que passei a adolescência pensando que só seria feliz magra, estou me dando tão bem com o corpo que tenho hoje.”

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