8 de setembro de 2011

Almanaque do Vinho - Harmonizando o dia-a-dia

Em uma terça-feira qualquer - na qual você resolveu preparar aquela massa diferente por conta de um maço de manjericão irresistivelmente lindo no supermercado, ou decidiu assar um peixe para um jantar mais leve -, bate aquela vontade de tomar um vinho. Talvez apenas uma taça enquanto prepara o prato e outra enquanto come (afinal é só uma terça-feira), e você se pergunta: "O que vou beber com essa comida tão simples?".

A resposta pode ser simples também, embora tenhamos que dizer que um grande vinho pode ser bebido em qualquer momento, muitas vezes apenas acompanhado de pão fresco, azeite e fatias de maçã verde. No entanto, essa não é uma harmonização, é um simples acompanhamento para um produto que já é muito bom, e que não deve ser maltratado por uma sobra de pizza de dois dias atrás.

Por vinho simples, entenda-se vinhos que podem ser bebidos sem a necessidade de serem decantados, que não precisam ser resfriados com precisão (a menos que você more em cidades onde a temperatura média esteja acima dos 25oC e não tenha um lugar mais fresco para armazenar suas garrafas) e que podem ser comprados e bebidos imediatamente.

O feijão nosso de cada dia
Quando falamos de harmonização, nenhum debate é mais acalorado do que a possibilidade de combinar algum vinho com o prato nacional por excelência: a feijoada.
Grupos de degustadores já fizeram extensas provas, tentando combinar a gordura das carnes com vinhos tintos mais tânicos, a opulência do caldo com a acidez dos espumantes e outras opções. A conclusão é um tanto desanimadora, pois praticamente nenhum vinho faz frente à complexidade de sabores de uma feijoada.
Ao falarmos em opulência, estamos falando de uma composição em que muitos elementos se sobressaem, desde a gordura dos torresmos de entrada, passando pela suculência das carnes, da riqueza dos temperos (alho, pimenta, louro), da mineralidade da couve e do próprio feijão. Assim, um vinho capaz de conter ou se opor a um desses elementos, dificilmente conseguirá fazer o mesmo com todos.

Para quem ainda assim quer tentar, a sugestão é um vinho italiano frisante, da uva Lambrusco. Muito embora os secos e com qualidade suficiente para serem bebidos sejam raros (e caros), ele pode ser combinado em parte com a feijoada por ter um pouco de acidez, frescor e uma pequena dose de taninos (a Lambrusco é uma uva tinta). Se a curiosidade for grande, vale tentar.

O macarrão da quinta-feira
Antes dos restaurantes self-service serem tão populares no Brasil, era comum que cada dia da semana tivesse seu prato tradicional. Em São Paulo, por exemplo, a quinta-feira era o dia da macarronada, com molho vermelho e, muitas vezes, acompanhada de frango assado ou de rolinhos de carne (o bife à rolê).
Para esses pratos, ainda tão populares, a combinação pode ser com um tinto italiano, como os Chianti, ou um Syrah do Chile, com seu frutado e fundo de especiarias.

No entanto, se o macarrão tiver molho branco ou de queijos, vale tentar um Chardonnay amadeirado, que não esteja extremamente gelado. A oposição vai ser bastante agradável e, se o seu companheiro de mesa estiver comendo uma massa com molho de tomates, ofereça uma taça do Chardonnay, ele vai se surpreender, pois a acidez do vinho é complementar à acidez do molho de tomates. E esse mesmo branco vai funcionar se alguém estiver comendo um risoto simples, sem carne, com uma base de queijo e fruta, como pera e gorgonzola, por exemplo.

Os domingos preguiçosos
Para quem escolheu o churrasco como prato oficial do domingo, é legal saber que as carnes na grelha (em geral mais gordurosas) pedem vinhos com mais taninos, como portugueses da região da Bairrada, Cabernets mais potentes, Tannats uruguaios (aqui cuidado: se você for um apreciador de carnes bem passadas, evite os Tannats, pois a combinação ficará amarga) e Malbecs argentinos. O tanino marcado desses vinhos aprecia a companhia da proteína e da gordura das carnes.

Mas para quem escolheu terminar o dia na frente da televisão, comendo uma fatia de torta ou quiche, as opções são bem diferentes. A sommelier Alexandra Corvo sugere um branco da uva Gewürztraminer para esses pratos: "Penso que o frutado e o frescor de um Gewüztraminer não muito intenso - pode ser brasileiro ou chileno - vai refrescar a gordura da torta ou da quiche e limpar bem o paladar", explica.

Se as opções da noite foram sanduíches, no entanto, os brancos permanecem em pauta quando a preparação levar queijos ou patês com ricota. Porém, se os frios - como a mortadela, o salame ou mesmo uma copa - forem o recheio principal, vale um tinto leve, como um Bardolino, um rosé bem mais marcante, como um português, e até mesmo aquele bom Lambrusco seco, mais difícil de encontrar, que pode ter sobrado da feijoada do sábado.

Um vinho e um prato
A harmonização moderna tende a contrariar a noção que vinhos tintos são para carnes vermelhas e brancos para carnes brancas. Na verdade, nenhum radicalismo é necessário nesse caso, muito pelo contrário, o que funciona sempre não deve ser desprezado. A aventura da harmonização está precisamente na experimentação, nas inúmeras possibilidades.

Por exemplo, para muitas pessoas, alguns cortes de carne de porco, como o lombo ou a picanha suína, são cortes magros, de "carne branca" e, por isso, podem ser acompanhados de vinhos brancos, como um blend francês fresco, herbáceo ou um Sauvignon Blanc nacional. Por outro lado, esse mesmo porco pode ter um corte completamente diferente utilizado na cozinha, como o pernil ou a costelinha, considerado agora como carne vermelha, mais gordurosa, assim fazendo uma combinação perfeita com um Tempranillo espanhol ou até mesmo um Pinot Noir do Novo Mundo (aqui o tempero vai dar a tônica da combinação, uma vez que a Pinot é uma uva mais delicada). Por isso, generalizações são contrárias à surpreendente experiência da harmonização.

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