23 de dezembro de 2011

O Novo


Procura-se, vivo: Morto não interessa. Procura-se a novidade que vai fazer o povo refletir, questionar, enlouquecer. Algo nunca visto, original, que desestruture, surpreenda, revolucione.
Raios, temos que ser novos. Não se pode repetir fórmulas, não se pode reprisar o que dá certo, ficam proibidos todos os prazeres conhecidos. Música, literatura, cinema, moda: reinventem-se!
Ai de quem não ousar.
Se criamos frases com sujeito, verbo e predicado, não servem. Se fazemos concretismos, somos arcaicos. Arrancamos lágrimas, somos clichês. Arrancamos risos, somos superficiais. Criem, criem perucas feitas de acrílico, contos que matem o leitor, biquinis que mostrem a bunda: inspirem-se!!
Biquinis que mostrem a bunda, missão cumprida.
Por todo o lado, a cobrança. Relações novas, cores novas nas unhas, histórias nunca contadas,
pensamentos nunca pensados, um jeito diferente de pintar o sol, de construir edifícios, de atender o telefone.
Fazer diferente, impressionar. Nada de ser lírico, nada de ser cru, transgrida, provoque a crítica, provoque o público, não caia no gosto popular, não seja excêntrico, não seja petulante, não seja o mesmo, não tenha estilo, não finja ser o que não é, não seja excessivamente confessional, olha o umbigo...
Decore sua casa com cáctus gigantes e tenha um lagarto como bicho de estimação. Não, isso é tão anos 70... Leia todos os clássicos da literatura alemã, francesa, inglesa, americana - sim, seja intelectual, isso pega bem até a meia-noite de hoje. A partir de amanhã, leia e releia blogs, literatura do futuro.
Use batom branco, não use calcinhas, tome energéticos, tome algo lilás, não seja bonito, seja interessante, consuma, consuma, consuma até encontrar o seu tipo, o seu modo de estar no mundo. É tudo tão antigo, tão igual, cause impacto, escandalize a plateia e o porteiro do seu prédio. Ou seja terna. Ternura! Enfim, uma palavra nova. Use ternura, coma ternura, vista ternura. Até o final da estação.
Procura-se o novo. Embaixo da cama, em cima da cama, dentro dos livros, nos faróis dos carros, nos videoclipes. Despreza-se o mesmo, feito do mesmo jeito. Despreza-se a qualidade mil vezes vista. Despreza-se o consagrado - abram espaço para o inusitado.
Se vocês encontrarem o novo, não se apressem em me mostrar. Ainda estou absorvendo o que foi novo horas atrás.

Martha Medeiros.
Do livro Montanha-Russa, crônicas.
L&PM Pocket, 2009

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