23 de outubro de 2011

O amor é mais forte do que o orgulho



“Homem abrir porta pra mim? Por quê? Por acaso eu sou aleijada!!????” Deparei-me com essa frase de uma menina e, de início, achei engraçado.  Meio segundo depois senti o chão se abrindo, a língua negra das sombras lambendo meus pés e tudo desmoronar. Tudo aquilo que eu pensava saber sobre mulheres, amor, romance, desejo, relacionamento e tudo o mais. Sim, levei em conta que há um certo “zeitgeist” rebelde no ar.

Dizem que no Orkut as pessoas são carentes, no Facebook são felizes e no twitter são irritadas. Levei isso em conta. Por outro lado, vi que aquela declaração ultrapassava a “irritação” padrão dos que têm “atitude” naquela rede social e apontava para outra direção:
 um homem poderá, em breve,  ser processado por abrir a porta ou puxar a cadeira por uma mulher. E era isso o que aquela criatura manifestava: o desejo de não ser considerada incapaz ou de sentir-se diminuída por aquilo que, até então, eu entendia por gentileza.

"Começo a pensar que o “politicamente correto” acabará com o humor e também com o romance".

Pagar a conta do restaurante, ou do motel, pelo menos na primeira vez em que um homem sai com uma mulher é, para ela, ofensivo? Sério?! Dizer para ela: “Você bebeu caipirinha, paga mais!; e a camisinha a gente racha porque eu coloquei em mim mas você também se beneficiou”. 
Isso é o bacana, o justo, o correto, o adequado, o respeitador, o contemporâneo?!  Começo a pensar que o “politicamente correto” acabará com o humor e também com o romance.

Sempre fui fã da anglo-nigeriana Sade, letrista e cantora do grupo que leva seu nome. Éramos da mesma gravadora quando lançamos, praticamente no mesmo mês, nossos primeiros discos. Antes de lançarem o primeiro dela (Diamond Life) por aqui me perguntaram se eu achava que daria pé. Na época apareciam dezenas de nomes novos a cada mês. Fui afirmativo: tem que lançar, é genial! Acho que me perguntaram por eu representar uma vertente muito diferente do que a juventude dizia naquela época. Logo em seguida apareceu o segundo trabalho (Promise) e foi igualmente bem nas rádios, embora nunca tenha sido um grande sucesso de vendas. Não como Madonna, a sua antítese, ao meu ver.


Sade x Madonna

Enquanto Sade era elegantemente sexy, classuda, sutil, suave, extremamente feminina e declaradamente intensa e madura em suas letras de amor, Madonna era a “Material Girl”.  Não cabe aqui comparações e nem vem ao caso dizer qual artista é mais talentosa. Mas há a disparidade do discurso: uma feminina a outra  masculina; uma tímida e delicada e a outra desbocada e frívola; uma inglesa-africana e a outra ítalo-americana. Sade permanece até hoje com os mesmos músicos e parceiros,Madonna muda, a cada novo trabalho, todos ou quase todos à sua volta. Sade busca a durabilidade, o atemporal, a essência enquanto Madonna busca o imediato, a última novidade, a próxima tendência, e, em última análise, a juventude da qual Sade já abrira mão em seu primeiro disco, aquele que flertava com o jazz, a bossa, o blues em frases e sons minimalistas.

"Misturar Casanova com Romeu é não viver nem a orgia e nem o amor em sua plenitude"

Talvez seja essa dicotomia, que aqui apresento, o conflito padrão dos dias atuais: todo mundo quer ser jovem, irresistível, sedutor, independente, livre e, ao mesmo tempo, viver um amor de verdade, sólido, profundo e durável. É difícil!  Misturar Casanova com Romeu é não viver nem a orgia e nem o amor em sua plenitude.

Profundamente emocionado com a carga emotiva das canções de Sade e com a sentimentalidade que ela empresta a cada verso, concluí: 
“Esta é uma mulher que diz exatamente o que todo homem quer ouvir. Do jeito que ele gostaria de ouvir”.
A frase do título é um exemplo
Ouça “Your love is king”, “Sweetest taboo”“Is it a crime”, “Kiss of Life”. “Eu lavaria a areia da orla e lhe daria o mundo, se fosse meu”, é minha humilde tradução para o verso que inicia a canção “Paradise”.  No último trabalho, esse que é a base do show ao qual assisti, a canção “Soldier Of Love” talvez sintetize tudo: “Eu sou um soldado do amor, todo dia e noite, eu sou um soldado do amor, todos os dias da minha vida”.

Perdão se você acha que estou diminuindo uma artista muito querida por todos, até por mim, em razão de uma outra que nem é tão popular assim.  Mas, aqui, a conversa é outra: 
romance é uma missão, um aprendizado, um chamado, um compromisso profundo de alma. Muito mais do que ganhar alguém na pista de dança. Pode partir o seu coração e vai. Mas dará à vida um sentido. E um gozo profundo.

Será que é muito bobo da minha parte esperar que as mulheres continuem defendendo a existência do romantismo, do feminino, do amor incondicional? Será muito pedir que existam as musas para que não acabe as poesias? E que as poetisas, como a que menciono, tenham seus versos ecoando em corações ávidos de amor? O tempo dirá. Ou você. 

A coluna Intimidades, com Leo Jaime é publicada às sextas-feiras aqui.

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